agora (2017 - projeto contínuo)
proposições
Carta (e-mail)
Escrevo porque preciso de respostas.
Meu nome é Beatriz Guimarães. Eu sou artista visual, mulher, cisgênero, branca, bissexual, e escrevo porque preciso de sua participação.
O pequeno trajeto dentro da Academia e do Sistema da Arte tem sido bem denso, de muito conhecimento, muito questionamento, e por consequência, de muita raiva.
Embora privilegiada, sou mulher e vivo o mundo construído por e para homens. A história, a filosofia, a ciência e tudo que eu conheci foi escrito ou pelo menos assinado por eles.
E então, este texto seria sobre algo que me parecesse meu, ou que me fizesse sentir parte disso; ao que me é mais próximo eu tomei a frase de Valie Export quase como lei, então se “A história da mulher é a história do homem, o futuro das mulheres vai ser a história da mulher”, eu quero conhecer e fazer parte dessa história no futuro.
A partir desse pensamento, envio esse texto para mulheres atuantes no Sistema da Arte, para que possa conhecer essa perspectiva e juntas possamos responder algumas questões, como:
- A história da mulher é sempre paralela, como um anexo da história “oficial”?
- Se fosse possível reescrever a história da arte a partir de uma nova perspectiva, partindo da mulher, o que deveria ser escrito?
- Se todo movimento artístico de vanguarda vinha para transgredir conceitos do movimento anterior, por que a arte da mulher que quebra com todos os discursos dos movimentos anteriores não é registrada como um movimento?
- Criar espaços de arte somente de mulheres ajuda a intensificar a diferenciação dos gêneros? Ou reafirma a potencialidade de sua própria existência?
Mas e você? Já sentiu raiva por ser mulher no Sistema da Arte? Me escreva, me dê uma entrevista, me envie um trabalho já feito, rascunhe nesse texto; de qualquer forma, seja escrita, visual, virtual, presencial, ou o que, pra você, fizer sentido como resposta a essa carta. Eu adoraria conhecer sua versão.
Muito obrigada,
Beatriz Guimarães
Nota: Eu escrevi e reescrevi esse texto muitas vezes, não sabendo mais que tom deveria usar. Deveria me abster do processo e só perguntar o que ainda sinto estar num campo muito cinza para responder? Deveria citar números e situações para que eu pudesse colocar minhas críticas sem me posicionar como vitimista? Ou colocando todos esses acontecimentos seria criticada por isso? Por que eu preciso me preocupar tanto em escrever um texto achando que cada vírgula me tornaria prepotente ou fragilizada? Ser mulher é ter que se justificar, se posicionar com mais força, é tentar o dobro para ser valorizada. E é exatamente sobre isso que eu quero falar. Falar sobre quem não falou, sobre quem foi calada, ou até mesmo sobre quem apagaram a existência a ponto de eu não saber que viveu. Se o futuro das mulheres vai ser a história da mulher – segundo Valie Export – que o futuro comece agora.
respostas
Mais do que paralela, acredito que a história da mulher é frequentemente apagada ou deixada em segundo plano, como um anexo que nem sempre é escrito.
Me surpreendeu ver o documentário sobre a artista Maria Martins e descobrir que uma artista que produziu uma obra tão significativa, presente em instituições renomadas no Brasil e no exterior, e cuja gama de influências no mundo das artes foi muito abrangente, seja um personagem que só recentemente passou a ganhar reconhecimento por sua importância.
Ao mesmo tempo, percebo que isto não deveria me surpreender tanto. A história em si, seja ela da arte ou da humanidade, é escrita e difundida por aqueles que tem o poder em suas mãos. Por exemplo, quando ocorre uma guerra e um povo é subjugado, aquilo que irá para os livros de história será a versão de quem ganhou a guerra, e não de quem a perdeu. Não interessa ao subjugador contar a versão do outro pois isso não reinforça seus objetivos ou ideiais. Lembre-se que quando o Brasil foi “descoberto” em 1500, as nossa terras já eram habitadas por outros povos…
Dentro de uma sociedade patriarcal, as relações entre os gêneros não são igualitárias. O sistema reinforça esta relação de poder ao estabelecer e repetir parâmetros e expectativas diferenciados para cada grupo, o que perpetua ideias pré-concebidas sobre eles. Se fatos e dados evidenciam discrepâncias existentes no mundo da arte (como mostra o trabalho das Guerrilla Girls) e estes mesmos números persistem com pouco progresso ao longo do tempo, então é difícil ignorar que o sistema prilegia um grupo em detrimento do outro… Se o privilégio é forçado, não seriam também forjadas ao menos parte dessas supostas diferenças entre os gêneros?
Acredito que exista uma história real mas ela é multifacetada. Ao ser contada ou escrita, ela é sempre retratada através da visão daquele que a escreve. Portanto, uma história dita “real” nunca será completa se sempre retratada pelo mesmo viés.
Primeiramente, entendo que o resgate de fatos e evidências que nunca ganharam importância seja um dos primeiros passos. Tomo a história da Maria Martins como exemplo novamente: não se trata de tentar valorizar uma mulher artista para preencher uma lacuna feminina na história da arte brasileira, e sim, de conceder-lhe o seu merecido lugar na história da arte (o que por si só ajuda a desconstruir a idéia de que a presença masculina majoritária no mundo da arte é fruto exclusivamente de sua capacidade criativa e intelectural). Se algumas lacunas não podem ser preenchidas, então o próximo passo seria analisar o porquê: houve falta de estímulo, apoio, supressão de idéias?
Porque ela não reinforça as idéias e conceitos que interessam àqueles que determinam o que é historicamente relevante. O registro de um movimento o legitimiza e confere-lhe importância; ignorá-lo permite que o tempo se encarregue de diluí-lo.
Ainda vivemos em um mundo dominado pelo homem branco; se o dinheiro financia direta ou indiretamente a produção artística, são os donos do dinheiro que tem o poder de determinar, ao menos em boa parte, as idéias e projetos que receberão estímulo, atenção e importância.
Ambos podem ocorrer. Creio que espaços somente de mulheres podem ajudar-lhes a ter mais voz mas receio segregação; talvez permitir a participação masculina, mesmo em um ambiente majoritariamente feminino, possa enriquecer o diálogo e ajudar a criar pontes.
Dentro da minha área, que é a de jóia artística contemporânea, vejo que a maioria dos profissionais com quem trabalho são mulheres: as donas e fundadoras da galeria que me representa há anos são a Libby e JoAnne Cooper (Mobilia Gallery em Cambridge, MA, USA) assim como das outras duas galerias com as quais eu trabalho (Gallery Loupe em Montclair, NJ, USA e a Four em Gotemburgo, Suécia).
As Guerrilla Girls mencionam que a maioria dos estudantes de artes em faculdades são mulheres, mas os artistas mais famosos são em maior parte homens. No meu caso, de um grupo de 12 formandos na minha classe, éramos 11 mulheres; mas quando participo de mostras em grupo, quase sempre a maioria dos artistas são mulheres (apesar da proporção talvez ser mais equilibrada). Me pergunto se essa forte presença feminina é uma peculiaridade do campo da jóia artística por fazer parte de uma tradição ligada ao artesanato. Vale ressaltar que muitos colecionadores da minha área são mulheres também.
Ao mesmo tempo (e peço desculpas por desviar um pouco do mundo das artes) sei que isso não se aplica historicamente ao mundo da jóia fina. Faço parte de uma associação nos Estados Unidos chamada Womens Jewelry Association, que foi criada nos anos 80 justamente para ajudar mulheres a criarem uma rede profissional que facilitasse sua inserção e avanço no mercado de jóias (que, em alguns casos, as discriminavam abertamente). Com a missão clara de existir para o avanço da mulher, ainda assim há homens associados ao WJA, o que mostra também o seu esforço em criar pontes ao invés de segregar seus participantes. Se você quiser ler um pouquinho sobre a história desta associação, segue o link: http://www.womensjewelryassociation.com/aboutus.
Acho bacana iniciativas como o “Advancing Women Artists”, um grupo de restauradores que trabalha para a visualização de obras de artistas mulheres em museus ingleses. Esse grupo levanta fundos, seleciona, restaura e deixa obras de artistas mulheres em condições de serem apresentadas novamente, são mulheres fazendo ciência e feminismo. Não é lindo?. Esse movimento é válido, mas não é o meu.
Quando penso sobre esse tema me interesso pelo futuro, e pelo que posso fazer hoje. Me interesso pela ideia de que a soma de todas as minorias é a maioria, já em diálogo com o ” The Personal is Political” da Carol Hanish.
Então hoje, o que faço é incluir em cada projeto cultural que desenvolvo pelo menos uma pessoa nova, não necessariamente mulher, mas uma pessoa que eu nunca tenha trabalhado antes, e que essa oportunidade possa fazer diferença na carreira dessa pessoa.
Nesse processo eu busco abrir o círculo e ventilar um pouco, repensando acessos e privilégios. É um processo que tem sido desafiador, é muito divertido. Tenho buscado novas formas de exercer liderança, com a firmeza que muitas situações que o trabalho demanda, mas sem repetir estereótipos machistas e autoritários.
Que nossa luta seja leve e intensa.
Beijos,
Marta Masiero
Artista, curadora e Produtora Cultural
A História é uma construção, fruto de uma série de escolhas determinadas por um contexto específico dentro do qual ela foi escrita. Majoritariamente, os agentes de toda História que eu sempre aprendi são homens e às mulheres sempre coube o lugar de “outro”, assim como aos indígenas, aos negros e etc. Ou seja, a História – essa que você chama de “oficial” – é uma construção baseada num ponto de vista masculino, ocidental e branco. As mulheres, dentro do que você está chamando de “História Oficial”, são uma espécie de criança. Um ser que, sem autonomia, tem sua história narrada por outro, por um “tutor” que detém o direito à narrativa. Não é paralela porque não tem um valor equivalente. Não existe uma história real, porque não existe o real.
Existe um processo interessante, perceptível nas novas gerações, que é uma mudança de ponto de vista das mulheres em relação à si mesmas, esse é, na minha opinião, o primeiro passo em relação à uma mudança de perspectiva histórica.
São tantas as coisas que deveriam ser escritas, basicamente tudo poderia ser reescrito, reestudado, repensado, é um campo vastíssimo. Mas isso é um trabalho para as historiadoras.
Um movimento nasce de uma intenção concreta e direcionada de romper com determinados valores, é geralmente organizado por um grupo ou liderado por um indivíduo e seguido por um grupo de participantes. Acredito que nunca tenha havido um movimento de ruptura, nesses termos, liderado por mulheres restrito ao campo das artes visuais, pelo menos não que eu saiba.
O feminismo é um movimento registrado como tal, mas não é restrito ao campo das artes visuais.
Eu acredito que políticas como a criação de cotas são importantes para tentar reparar desigualdades históricas. São políticas de reparação. Nesse sentido, sim devem existir, porém com a condição de que de que exista, paralelamente, toda uma outra política que vá nivelando essas desigualdades em outras esferas, de maneira que em algum momento essas cotas aos poucos, deixem de ser necessárias.
Paloma Bosquê
Gracias por tu invitación a participar en esta discusión que es bastante oportuna y necesaria.
El tema de la dominación masculina en la historia de la humanidad a través del patriarcado es un tema doloroso y que ha ocasionado y sigue ocasionando demasiado sufrimiento y traumas, por eso entiendo tu rabia y tus inquietudes para tener respuestas a preguntas que han sido ignoradas y barridas debajo de una alfombra de silencio a lo largo de la historia. Son temas que todas las mujeres tenemos presente, hoy mas que nunca.
Las mujeres siempre hemos estado ahí, siempre hemos sido parte de la historia, a pesar de que muchas veces se nos ha silenciado y hemos sido abusadas e ignoradas. La agresión que sufrimos diariamente, en todos los estratos, solo por el hecho de ser mujeres nos han acompañado desde la mas temprana edad: bien sea en la calle en la forma de constantes comentarios o avances sexuales no solicitados, bien sea por los roles a los que nuestras sociedades machistas nos han tratado de imponer.
Siendo de origen asiático y habiendo vivido en Seúl a mediados de los noventa, viví en carne propia lo peor de una sociedad machista como la coreana. Estaba cursando estudios universitarios y las mujeres debíamos fumar cigarrillos en un cuarto especial para mujeres porque fumar afuera era mal visto. De eso ya hace mas de veinte años, y es solo una anécdota de muchas que experimenté en los dos años que viví en Corea. Puedo decir que aunque ni la sociedad coreana ni el mundo son lo que deberían ser hoy en día; un lugar de libertad e igualdad para todos sin importar raza, credo ni estatus social, ahora vivimos una era en la que son posibles muchos mas cambios de los que eran posibles hace veinte años o mas.
La reciente alza al poder de la derecha conservadora en los Estados Unidos ha creado mucho malestar en el mundo entero, sobre todo por el comportamiento descaradamente misógino de su actual presidente y el mensaje implícito que esto conlleva. Sin embargo, lo positivo de este malestar ha sido ver el resurgimiento del movimiento de liberación femenina, que estuvo fuera del foco durante la presidencia liberal y progresista de Barack Obama y se ha reactivado desde la histórica Marcha de las Mujeres en enero de 2017 en varias ciudades en Estados Unidos y en el resto del mundo. Este resurgimiento ha demostrado que estamos viviendo cambios inéditos en la historia. Las mujeres somos un poder y tenemos hoy mas que nunca, una fuerte voz y presencia y los medios necesarios para hacernos escuchar. También tenemos como ejemplo los innumerables colectivos, organizaciones y grupos feministas que a lo largo de las décadas no han dejado de luchar por la igualdad de géneros.
La reciente denuncia del productor de cine mas poderoso del mundo Harvey Weinstein por la actriz Rose McGowan y por decenas de otras mujeres que trabajan en la industria del cine de Hollywood, son clara evidencia de que los tiempos están cambiando y los comportamientos que hasta ahora han imperado y sido tolerados en todas las sociedades y apoyados por la cultura de impunidad y habilitadores ya comienzan a ser intolerables e inaceptables. Estoy segura de que este hecho ya está teniendo repercusiones a nivel mundial.
Personalmente no creo en un movimiento solo de artistas mujeres así como no creo en un movimiento de artistas de x o y grupo, ya que esto solo crearía mas aislamiento y segregación en un mundo y sistema en el cual se necesita mas bien derribar fronteras y límites. Creo sí, en revisiones e investigaciones críticas de la historia del arte femenino como en las exposiciones hito como WACK!: Art and the Feminist Revolution en el MOCA de Los Angeles en el 2007 y mas recientemente en Radical Women en el Hammer Museum, en Los Angeles también.
Considero que crear espacios solo de mujeres intensifica la diferencia de los géneros así como también reafirma la potencialidad de su propia existencia. No crearía yo un espacio así pero tampoco dejaría de participar en ellos (de hecho, recientemente he participado como la artista del mes en el portal de fotografía femenina Fotoféminas foto-feminas.com). Como verás no hay negro ni blanco en este asunto. Son cuestiones que debemos pensar y definir según cada caso, y eso es lo emocionante, que no haya una respuesta definitiva sino que nosotras mismas vamos construyendo nuestra propia libertad, sin tener que limitarnos ni crear o seguir reglas irrevocables.
Gracias por buscar respuestas, por cuestionarte el estatus quo, por buscar mas allá de lo que se nos enseña en casa, en el sistema académico, en la sociedad. Personas como tu y yo somos las que estamos escribiendo nuestra historia, esta historia de las mujeres, esta historia de la humanidad que se ha negado a aceptar su total y plena expresión en la multiplicidad de géneros y sexos hasta ahora. Los tiempos están cambiando y qué afortunadas somos de estar viviendo en esta época y lugar en el que gozamos muchas mas libertades que muchas otras hermanas de otros tiempos o latitudes.
Como dijo la artista mexicana Patssi Valdez durante el simposio ‘El cuerpo político’ en el Hammer Museum el pasado 19 de Septiembre: “lo femenino representa lo reprimido y oprimido, los grupos marginados”. Luchemos, pues, en pro de la libertad propia y de todos.
Te mando adjunto un collage con algunas de las mujeres que me han inspirado y que son símbolo de fuerza, resiliencia y agentes de cambio del estatus quo, ves que no son pocas, y a éstas puedes ir agregando tu propia lista.
Un abrazo afectuoso y solidario,
Suwon Lee
Trabalho coletivo: Lívia Aquino, Clarice Lima, Raphaela Melshon, Isabela Assad, Regina Parra, Patrícia Araújo, Raoni Freitas, Alessandra Duarte, Fabiana Faleiros, Simone Barreto. Inserção na edição nº 3 do Jornal de Borda.
Em breve